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Na senda das Halófitas | Gramata-Branca

As algas e as plantas halófitas são recursos marinhos que, vaticino, gradualmente serão introduzidos em força na nutrição humana e entrarão nas modas gastronómicas pela porta grande.

Na senda das Halófitas | Gramata-Branca
Na senda das Halófitas | Gramata-Branca

Gramata-branca


Em 2014 ficou concluída, em Alcochete, uma obra de razoável envergadura que bastante valorizou o burgo ribeirinho. Foram notáveis as vantagens obtidas nos aspetos paisagísticos, na segurança de peões e viaturas, no comércio local e no turismo. Concretizou-se, assim, um sonho antigo! Referimo-nos à construção de uma nova muralha granítica, fronteira ao estuário do Tejo, com um avanço médio de 15 metros e uma extensão de quase um quilómetro, bem situada na zona nobre da povoação.

A antiga muralha, assente em palafitas, encontrava-se muito degradada e as sucessivas arremetidas da maré-alta estavam a provocar perigosas fissuras e aluimentos não se possibilitando apenas, por reparações pontuais, solucionar cíclicos problemas.

A vila, agora melhor dizendo, “a cidade”, situada na margem esquerda do maior estuário da Europa Ocidental, erigida supostamente pela antiga moirama em terrenos planos, não sendo um burgo de importância militar que exigisse a construção de um castelo, necessitou, mesmo assim, de muralhas defensivas. Sempre teve que confrontar-se com as ondulações marinhas, ora amigas, ora inimigas, das águas taganas. A frequência regular dos monarcas e fidalgos da dinastia de Aviz que saíam da poluída Lisboa, para aqui usufruírem de “ares lavados”, mais acentuou essa necessidade.

Voltando à extensa e novel muralha paralela ao chamado jardim do Rossio, há ainda que dizer que as obras permitiram criar espaços verdes, estabelecer assentos para quem quiser calmamente deleitar-se com o pôr-do-sol e passear em segurança fruindo a aragem marítima.

Mas, perguntarão agora os leitores mais atentos: o que é que isto tem a ver com o título que encabeça a presente croniqueta?


É que um destes dias, este escriba, em despreocupada passeata, avistou uma pequena moita pendente, espalhando as suas ramagens pela parte interior da citada muralha. Impelido pela curiosidade, logo foi verificar, colhendo umas folhinhas da inusitada herbácea que tinha artes de medrar numa nesga exígua proporcionada pela sobreposição irregular dos blocos graníticos. Sem resquícios visíveis de solo, a citada planta subsistia valentemente, aproveitando o sol poente estival e a rega, duas vezes ao dia, pela batida das águas estuarinas da preia-mar. Que admirável capacidade de sobrevivência!

Enfim, tratava-se de uma gramata-branca que ocasionou a ideia de aprofundar as características e eventuais préstimos desta curiosa espécie halófita.


A dita encontra-se mencionada no livro “Halo Farms – Agricultura Halófita” de Ricardo Coelho, Mauro Hilário e Hugo Mariano e é designada cientificamente por Halimione portulacoides da família das Chenopodiaceae.

É considerada um semiarbusto porque possui na base caule lenhoso, sendo herbácea na configuração restante. Pode estender-se, ou erguer-se, numa extensão de 80 cm, mantendo uma cor verde acinzentada de feição pulverulenta.

A gramata-branca abunda nas costas marítimas da Europa Ocidental e meridional em zonas inundadas pelas marés nas salinas e esteiros, em ambientes salobros ou medianamente salgados.

A planta é muito ramificada e tem folhas simples, lisas, suculentas, lanceoladas e opostas. A sua salinidade é sabiamente regulada por ligeira penugem patente na superfície das lâminas foliares que lhe dá um aspeto prateado.

É uma espécie perene com floração monoica. As flores masculinas encontram-se separadas das femininas e são polinizadas pelo vento. A sua cor é de um amarelo-esverdeado bastante discreto, pois não necessitam de argumentos vistosos para atrair insetos.

Os frutos formam aquénios castanhos.


Os conteúdos químicos denotam a presença de sódio, potássio, iodo, ferro, zinco, cálcio, vitaminas C e P, elementos proteicos e lípidos que lhe conferem propriedades antioxidantes.


As folhas possuem textura crocante e gosto moderadamente salgado, de agradável comestibilidade. Na Catalunha chamam à planta “verdulaga-marina” devido ao seu sabor que faz lembrar o da nossa conhecida beldroega (Portulaca oleracea). Atenção:”verdulaga” é beldroega, em língua catalã. Curiosamente, o segundo termo da designação científica da gramata-branca: portulacoides, também parece remeter para a beldroega.


Podem-se comer as folhas cruas em saladas ou cozinhadas em sopas como hortaliças. Se forem secas e reduzidas a pó, substituem o sal-das-cozinhas.

Os rebentos avinagrados constituem um agradável aperitivo sucedâneo das alcaparras.

E aqui temos mais um elemento suscetível de diversificar e quiçá, enriquecer a nossa gastronomia.



Agosto de 2023


Miguel Boieiro


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